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Quando conectar-se era um evento especial, não um vício crônico |
Vamos ser honestos aqui. Hoje em dia, quantas vezes você pega o celular sem nem perceber? Quantas vezes você está almoçando e, de repente, já está scrollando no Instagram? A internet virou uma extensão do nosso corpo, e não necessariamente da forma mais saudável possível. Aliás, pesquisas recentes mostram um aumento alarmante no vício digital entre jovens brasileiros, com estudos indicando dependência significativa de smartphones.
Na época da internet discada, conectar-se era quase um ritual. Você tinha que tomar uma decisão consciente: "Agora vou entrar na internet." Era preciso desconectar o telefone fixo, ouvir aquela sinfonia eletrônica do modem tentando se conectar, torcer para dar certo na primeira tentativa e, finalmente, estar online. Cada minuto custava dinheiro, então você não ficava lá perdendo tempo vendo vídeo de gatinho fazendo gracinha.
O resultado? De segunda à sexta, você vivia sua vida real. Conversava com as pessoas cara a cara, prestava atenção nas aulas, almoçava sem ficar checando notificação. Seus amigos eram aqueles que você encontrava pessoalmente, não perfis numa tela. Você tinha tempo para pensar, para ficar entediado - e que falta faz o tédio criativo na nossa vida. A neurociência moderna confirma: o tédio ativa a "rede de modo padrão" do cérebro, fundamental para criatividade.
Chegava o fim de semana ou aquelas horinhas depois da meia-noite, e aí sim você se conectava. Era como abrir uma caixa de surpresas: e-mails acumulados, novidades nos sites que você acompanhava, conversas no MSN Messenger - que, diga-se de passagem, chegou a atingir 330 milhões de usuários globalmente em seu auge. Tudo de uma vez, numa experiência concentrada e intensa. Você consumia a internet de forma consciente, quase como quem vai ao cinema - era um programa, tinha começo, meio e fim.
E sabe o que mais? Você realmente sentia falta da vida offline quando estava muito tempo online. Depois de algumas horas na frente do computador, você tinha vontade de sair, de respirar ar puro, de encontrar gente de verdade. Havia um equilíbrio natural que hoje perdemos completamente.
Mesmo quando chegou a banda larga - e aqui temos que falar do famoso Velox, da operadora Oi (antiga Brasil Telecom). O Velox foi um dos primeiros serviços de internet banda larga comercial em larga escala oferecidos no país, utilizando principalmente a tecnologia ADSL e sendo amplamente reconhecido por sua popularidade e extensão no mercado brasileiro ao longo dos anos 2000. A GVT também foi uma marca muito reconhecida na história da banda larga no Brasil, especialmente por sua rede de fibra óptica e inovação tecnológica até ser adquirida pela Telefônica, mas o Velox da Oi tem maior reconhecimento popular e histórico na era da banda larga do passado.
Mesmo com essas novidades tecnológicas, ainda existia uma barreira física. A internet ficava no computador de casa. Quando você saía para a rua, estava genuinamente desconectado. Seu celular servia para fazer ligações e mandar SMS, ponto final. Não tinha Instagram Stories para ver, não tinha WhatsApp buzinando, não tinha LinkedIn te lembrando que você deveria estar sendo mais produtivo.
Hoje vivemos numa contradição bizarra. Temos acesso instantâneo a toda informação do mundo, mas paradoxalmente nos sentimos mais ansiosos, mais dispersos, menos satisfeitos. A internet deixou de ser uma ferramenta e virou um ambiente onde habitamos permanentemente. Não entramos mais na internet - nós somos a internet. E aqui está o pulo do gato: estudos mostram que o uso excessivo de dispositivos digitais causa liberação descontrolada de dopamina, criando dependência real.
E olha que ironia: naquela época, quando tínhamos menos acesso à informação, éramos mais focados. A neurociência confirma essa intuição - nosso cérebro não consegue realmente fazer múltiplas tarefas cognitivamente simultaneamente. O que acontece é uma alternância rápida que compromete tanto a concentração quanto a compreensão. A internet discada, com suas limitações, criava naturalmente um ambiente ideal para o trabalho profundo.
Não estou romantizando demais o passado - a internet discada tinha suas limitações óbvias. Baixar uma música levava uma eternidade, assistir a um vídeo era quase impossível, e pesquisar qualquer coisa exigia uma paciência absurda. Mas talvez essas limitações fossem também suas maiores virtudes.
A questão é que a tecnologia deveria nos servir, não nos escravizar. Na época da internet discada, a tecnologia tinha seu lugar - importante, mas delimitado. Hoje ela invadiu todos os aspectos da nossa vida, criando uma hiperconectividade que, paradoxalmente, nos desconecta de nós mesmos e das pessoas ao nosso redor.
Claro que não dá para voltar no tempo, nem seria desejável. A internet moderna trouxe avanços incríveis: facilidades de comunicação, acesso à educação, oportunidades de trabalho, entretenimento diversificado. O problema não é a tecnologia em si, mas nossa relação com ela.
Talvez possamos aprender alguma coisa com aquela época. Que tal criarmos nossas próprias "conexões discadas"? Estudos sobre desconexão digital mostram benefícios significativos, incluindo melhoria na saúde mental, maior capacidade de concentração e aumento da socialização presencial.
Imagine se conseguíssemos recriar aquela sensação de "agora vou entrar na internet" ao invés de viver permanentemente conectados. Se voltássemos a ter momentos de tédio produtivo, conversas sem a interferência de notificações, refeições onde o único aplicativo aberto fosse nossa própria fome.
A internet discada nos ensinou algo que esquecemos: que estar desconectado também é viver. Na verdade, muitas vezes é viver ainda mais intensamente.
Estalo: Talvez a verdadeira evolução tecnológica não seja ter acesso instantâneo a tudo, mas sim saber quando escolher conscientemente não ter. O luxo do futuro pode ser justamente a capacidade de se desconectar - algo que, ironicamente, tínhamos de graça na época da internet discada.
